Nunca conheci um jovem brasileiro amante de velocidade que nunca tenha desejado um Gol GTi. Nunca entendi bem porque aquele carrinho quadrado, baixo, com pouco espaço interno e muitas vezes “temperamental” é especial para algumas pessoas, mas para mim o motivo é perfeitamente cristalino.
Se você suspirou e pensou que o mundo era mais legal há 22 anos atrás, é um mal sinal, pois quer dizer que você já era capaz de ter discernimento e gosto pessoal, o que me leva a crer que hoje também esteja na crise dos 30 (como eu). Entretanto, pense no lado positivo: você tem uma grande vantagem sobre os mais jovens: carregar em sua memória a felicidade de ter suspirado as escutar o ronco de um Gol GTi 1989 azul Mônaco, tinindo de novo.
Lançado em 1988 no Salão do Automóvel de São Paulo, o Gol GTi era um astro em seu stand. Era o primeiro carro nacional equipado com a tão falada na época, injeção eletrônica, que prometia aposentar o afogador e o seu companheiro fiel, o carburador.
O sistema escolhido foi o Bosch LE-Jetronic, com ignição controlada pelo módulo EZ-K, que acoplados ao motor AP2000 do Volkswagen Santana GLS convergiam em 120 cavalos de potência e 18,35 m.kgf, sempre bebendo gasolina.
Esse sistema de injeção era bem simples, sendo um modelo do tipo analógico, com sistema de trabalho full group, onde todos os bicos injetam combustível ao mesmo tempo, ao contrario dos sistemas mais modernos que só ocorre a injeção de combustível no momento exato da queima do cilindro.
Este tipo de injeção eletrônica não tem memória de armazenamento, causando muita dor de cabeça para algumas pessoas quando o mesmo não funcionava corretamente, pois era impossível saber o código da falha do sistema, não havendo ao menos uma luz de anomalia. Apenas o módulo EZ-K, através de uma luz piloto no painel, exibe as falhas de ignição.
Um fato curioso: algumas unidades do Gol GTi 1989 apresentavam problemas com interferência eletromagnéticas nos grandes centros ou próximo à subestações de energia, causando engasgos e muitas vezes até a parada do veículo, sem motivo aparente.
O Gol GTi só podia ser comprado na cor azul Mônaco, que fazia par com os frisos largos e para-choques pintados em prata. Suas lanternas eram escurecidas, e possuía um aerofólio mais aerodinâmico que o seu irmão mais manso, o Gol GTS. Apenas 2 mil unidades foram fabricadas no seu primeiro ano.
Segurança naquela época era um mito para a indústria brasileira. É comum até hoje escutar as pessoas mais velhas evitando falar no assunto, pois a crença popular rezava que dava azar comentar sobre acidentes, pois acreditavam que poderia atrair.
Por isso mesmo, o máximo que você encontraria em um carro dessa época seriam discos de freios ventilados, um importante equipamento de segurança ativa, principalmente quando estamos falando de um carro esportivo. Nenhum carro da VW possuía tal equipamento até então…
As fontes de pesquisa divergem em relação ao desempenho da primeira versão do GTi. Como sou tendencioso, saudosista e fã do Gol GTi, fiquei com os dados maiores, encontrados no Clube do Gol, onde apontam velocidade máxima de 188 KM/h e aceleração de 0-100 km/h em 8,8 segundos.
Sabemos que esses dados estão incorretos, mas segundo reza a lenda, Chuck Norris conseguiu fazer tempos parecidos com um Gol 1.3 refrigerado à ar, então não irei tentar discordar, afinal todo dono de Gol é meio fanático pelo carro. (Os dados corretos, aferidos pelo equipamento da Revista 4 Rodas apontam velocidade máxima de 174 km/h e aceleração de 0-100 em 10,37 segundos à 700 m do nível do mar).
O interior era realmente esportivo. Nada de bancos comuns revestidos com tecidos vermelho (Família SS detected!), ou excessos que prejudicassem o espírito germânico da engenhariaonde os carros esportivos são precisos como um relógio e sóbrios como o ataque silencioso de um ninja.
Seus bancos eram belos “baquets” Recaro, importados da itália, revestidos com um tecido que foi projetado para prender o máximo do corpo do ao banco. Nada de tecido liso e fácil de limpar, de neoprene, ou outro modismo para surfistas, o objetivo era ajudar a manter o “piloto” na posição ideal, mesmo durante as curvas mais acentuadas.
O painel era o mesmo do Gol GTS, porém seus instrumentos possuíam grafia em vermelho, para mostrar que o carro tem “sangue nos olhos” e vinha equipado com vidros e travas elétricas, toca-fitas Bosch Rio de Janeiro, estojo para guardar fitas no painel (era um dos maiores luxos da época!), carpetes em maior espessura, e of famoso volante de 4 bolas do Golf GTi alemão, forrado em couro.
O Gol GTi era o carro mais rápido do Brasil quando foi lançado, segundo o ranking da Revista Quatro-Rodas, a mais respeitada na época, praticamente uma bíblia para os amantes de veículos, em uma época onde as informações eram escassas.
Testado na revista de janeiro de 1989, a reportagem é iniciada sem churulemas, mostrando de forma clara e objetiva os benefícios da injeção eletrônica para o desempenho geral do veículo. Mais rápido que o mítico Opala Diplomata (Motor com 4100 cm³ de cilindrada, mais que o dobro do Gol) e mais veloz que o Passat GTS do campeonato de marcas e pilotos, definiam que o pequeno esportivo não estava no mercado para brincadeira.
Além do desempenho muito bom para o mercado nacional da época, a reportagem falava sobre a experiência de se guiar um carro com motor injetado. Pode parecer comum para a maioria das pessoas hoje em dia, mas ligar o carro e sair de casa imediatamente era algo muito raro naquela época, principalmente se fosse movido à alcool e detalhe amplificado no período de inverno.
O comportamento do carro era liso, respondendo da melhor maneira aos comandos do motorista.Nada de soluços causados por mistura rica demais, ou falhas por falta de combustível, tudo que o carro precisava era entregue no tempo certo para o melhor desempenho.
Além dos efeitos positivos em relação a “tocada da bagaça”, também podiam ser sentido os benefícios da injeção eletrônica no bolso de quem o possuísse, já que mesmo sendo um carro equipado com motor 2.0, com cambio de relações curtas e calibração esportiva, durante o teste da revista fez 13,33 km/l na estrada e 8,51 km/l na cidade, dados comparados aos populares com motor 1.0 de hoje.
O GTi virou o rei dos comparativos nas revistas. Devido à falta de acervo digital de outras excelentes publicações como a antiga Oficina Mecânica, Autoesporte e a Motortrend, sempre estou citando dados da Quatro-rodas, porém não enganem-se, o GTi sempre era o bicho papão dos concorrentes, o queridinho dos pilotos de testes.
Já em fevereiro de 1989, foi submetido a um comparativo com o seu irmão mais velho o Gol GTS.Essa era uma comparação inevitável, tanto pelos consumidores, quanto pelos entusiastas. Será que um equipamento eletrônico realmente mudaria tanto o desempenho do mesmo carro ?
Nesse teste, algumas falhas apareceram e apagaram um pouco do brilho do GTi, que não justificava o preço bem maior do que seu irmão mais velho, que possuia desempenho e acabamento semelhantes.Entretando ninguém poderia negar que ainda era o rei das pistas, melhorando suas marcas em relação ao primeiro teste, com velocidade máxima de 175,4 km/h e aceleração beirando os 9 segundos (10,08s).
Será que a imprensa é um pouco culpada pelo fim desse tipo de carro no Brasil? Na mesma reportagem, enfatizaram que um Gol GTS custava 56% a menos, pagava menos IPVA e para ter desempenho semelhante, bastava trocar o seu motor por um 2.0 a Álcool, equipado com carburador., o seguro era 55% mais em conta também, mas isso não deveria receber destaque em uma matéria sobre carros esportivos, ao meu singelo olhar de amador.
Um fato chamou-me a atenção ao verificar a ficha técnica dos veículos, O diminuto peso de ambos, 974 kilos para o GTi e 940 para o GTS, uma enorme diferença para os carros de hoje em dia, que pesam facílmente 1100 quilos, nessa mesma categoria.
Com o lançamento do Kadett GS, também em 1989, o GTi recebeu um bom adversário para duelar nas pistas. O moderno e mais aerodinâmico Kadett contava com motor 2.0 também, porém equipado ainda com o velho e complexo carburador.
Mesmo equipado com um motor menos potente e possuindo maior peso, o Kadett GS surpreendeu o pequeno Volks, dando trabalho neste duelo. Foi 0,1 km/h (Isso mesmo, 0,1 Km/h!) mais rápido que o Gol GTi, teve melhor resultado nas provas de retomadas, em um tempo onde trocar marchas era algo que o consumidor apreciava, mas não tinha o costume de fazer para ganhar desempenho, porém foi mais lento nas acelerações.
O Gol GTi 1989, foi o primeiro carro brasileiro a baixar o tempo do 0-100 km/h da casa dos 10 segundos nesse terceiro teste, onde fez 9,71 segundos, entretanto a sua velocidade máxima foi abaixo da aferida no último teste (175 km/h). A favor do GTi, fica o fato de o combustível utilizado no Kadett GS ser álcool, favorecendo o desempenho da unidade família II 2.0 que equipava o modelo, o mesmo do Chevrolet Monza, porém com relações de marcha mais curtas.
Em agosto, o GTi foi avaliado mais uma vez, desta vez ao lado também do recém lançado Ford Escort XR-3 1.8, que passava a ser equipado com o mesmo motor do Gol GTS, o AP 1800 de 99 cavalos mentirosos. Nesse teste, a quatro-rodas avaliava as qualidades e defeitos dos 3 carros, em um ótimo exemplo de jornalismo sério, que hoje é bastante incomum nas revistas, que insistem em falar em porta-trecos e “mimos”, buscando cada vez mais os leitores que não gostam de carro, mas que apenas querem utilizar a revista como catálogo de compras.
O teste é bastante interessante, e quem tiver interesse em ler, vale a pena “dar um pulo” ao site da revista para conferir. O comparativo ainda mostra como é o modelo europeu, homônimo das versões, citando o que tinha por lá e o que faltava por aqui.
O piloto Christian Fittipaldi avaliou o Gol GTi, juntamente com o Kadett GS e o Escort XR-3 e criou o modelo que seria ideal na sua mente: motor do Gol GTI, relações de marcha do Kadett GS e carroceria do Escort XR-3. Lembro-me que era bem comum esse tipo de avaliação, onde um piloto, com seu feeling, “canta” o que acha sobre o carro testado.
O Gol GTi 1989 será lembrado para sempre como o mais desejado pelas pessoas que têm gasolina nas veias. Algumas pessoas preferem o modelo remodelado de 1991, com frente mais baixa e rodas BBS, mas com certeza esses não tiveram o prazer de viver na época das diretas já, e não saborearam o gostinho da felicidade ao receber novidades antes muito distantes da nossa realidade, como uma simples injeção eletrônica.
Alias, que momento saudosista estou tendo hoje… Saudades de uma época onde era gostoso ler revistas impressas. Estou “folheando” as revistas digitais da Quatro-Rodas há mais de 2 horas, aproveitando a insônia, e a revista mais nova do mês de novembro está aqui ao meu lado na mesa, sem nenhuma intenção de ser aberta. Saudades, meras saudades…
Fontes | Acervo digital Revista Quatro-Rodas, Gol Clube
Fotos | Reginaldo de Campinas / Quatro Rodas Classicos / Garage do Bellote / Motorpasion Brasil
Fotos | Reginaldo de Campinas / Quatro Rodas Classicos / Garage do Bellote / Motorpasion Brasil
3 comentários
Bons tempos que não voltam mais..... Vlww
Tive um GTS 88 1.8 a álcool enquanto um amigo tinha um GTI 89 2.0 a gasolina. Realmente os desempenhos eram semelhantes. O GTI tinha um melhor torque em baixas rotações e na alta, na hora de esticar, o GTS anulava as vantagens do maior motor e da injeção eletrônica do GTI com uma potência real parecida (declarados apenas 99cv para não subir de faixa de tributação acima de 100cv) e sem limitador de rpm. Se não me engano GTI cortava a alimentação a 6050 rpm enquanto o GTS esticava bem até 6500 rpm. Mas o GTI realmente tinha um charme a mais, era o mais cobiçado e mais caro.
Acho que as velocidades finais dos testes citados na matéria não condizem com a realidade. Aceleração sim, em torno de 10 seg de 0 a 100. Tudo bem que o motor do meu GTS que comentei na outra postagem já estava com uma certa quilometragem, mais do que amaciado, quando resolvi ver o quanto andava. Deu 200 Km/h de final no velocímetro. Provei isso para alguns que duvidaram. Depois o turbinei, e já não achei mais nada com o que pudesse compará-lo. Só quem já andou em um turbinado sabe do que estou falando, vai parecer mentira se eu tentar explicar.
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